segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O Pombo


Debruçada em cima do balcão, pressinto-o saltar para o patamar da porta. Pelo canto do olho, vejo-o entrar no Bazar e caminhar pelo estreito corredor ladeado de artigos em 2ª mão. Endireito-me e fixo-o, incrédula, enquanto ele se dirige a mim, com uma confiança pouco comum na sua espécie face à minha. O Pombo contorna o balcão, considera-me durante uns segundos ... e vai-se embora, não sem antes me lançar o que a minha imaginação tomou por um olhar de desprezo.
 
Ainda estou a fixar a porta, quando entra um cliente. Homem já de alguma idade, gabardine molhada, boné na cabeça.
“Do you have books in English?” – serve de mote para uma pequena conversa sobre livros e para a que seria a única venda do dia.
 
De novo sozinha, sento-me a ler. O tempo nublado e chuvoso afastou de Sintra os turistas e do Bazar os clientes habituais.
Regressa o inglês do boné – chamemos-lhe David. Perdeu o autocarro e vem passar tempo até chegar o próximo. Traz na mão um postal, que me mostra. O galo de Barcelos. Pergunto-lhe se conhece a lenda. Diz que sim. Leu-a nas costas do postal, mas ainda não percebeu o que a história tem a ver com Espanha...

- Spain?
- Yes. It happened in Barcelona, right?
Ainda estamos a rir da confusão, quando o Pombo volta a entrar.

Sacode as penas molhadas da chuva e em patada contínua, destemido, passa por David e vem aninhar-se atrás do balcão, debaixo da minha cadeira.
 
Ali ficou enquanto David me falava do seu trabalho com cavalos numa quinta, e ali se manteve quando ele saiu para  apanhar o autocarro. O seu arrulhar espaçado acompanhou a continuação da minha leitura.
Ao fim de uma hora, dei-me por vencida. Decididamente, não ia entrar mais ninguém.
 
- Vá, amigo. Está na hora de ir para casa.
Olha para mim, abana a cabecita e estica o bico para coçar as penas. Só então reparo que tem o lombo completamente depenado. Não faço ideia por que razão está assim, mas imagino que o frio que faz lá fora o deva afectar bastante mais do que aos seus companheiros.

- Pronto, está bem. Só mais um bocadinho.
Retomo a leitura, mas não chego ao fim da página quando oiço o farfalhar de penas atrás de mim. O Pombo está agora debaixo da minha bota, procurando no chão alguma migalhinha para o caminho. Não encontrando nada, dirige-se à porta e sai sem olhar para trás.

É assim, o Bazar da APCA. Fonte de rendimento para alimentar os 200 cães do Canil de S.Pedro. Oportunidade de comprar artigos a preços baixos.
Porto de abrigo.


Volte sempre!
 
Fotos: Rutix e o Pombo. Sintra. Novembro 2012.