Debruçada em cima do balcão, pressinto-o saltar para o patamar da porta. Pelo
canto do olho, vejo-o entrar no Bazar e caminhar pelo estreito corredor ladeado
de artigos em 2ª mão. Endireito-me e fixo-o, incrédula, enquanto ele se dirige
a mim, com uma confiança pouco comum na sua espécie face à minha. O Pombo
contorna o balcão, considera-me durante uns segundos ... e vai-se embora, não sem
antes me lançar o que a minha imaginação tomou por um olhar de desprezo.
Ainda estou a fixar a porta, quando entra um cliente. Homem já de
alguma idade, gabardine molhada, boné na cabeça.
“Do you have books in English?” – serve de mote para uma pequena conversa
sobre livros e para a que seria a única venda do dia.
De novo sozinha, sento-me a ler. O tempo nublado e chuvoso afastou de
Sintra os turistas e do Bazar os clientes habituais.
Regressa o inglês do boné – chamemos-lhe David. Perdeu o autocarro e vem passar
tempo até chegar o próximo. Traz na mão um postal, que me mostra. O galo de
Barcelos. Pergunto-lhe se conhece a lenda. Diz que sim. Leu-a nas costas do
postal, mas ainda não percebeu o que a história tem a ver com Espanha...
- Spain ?
- Yes. It happened in Barcelona ,
right?
Ainda estamos a rir da confusão, quando o Pombo volta a entrar.
Sacode as penas molhadas da chuva e em patada contínua, destemido, passa
por David e vem aninhar-se atrás do balcão, debaixo da minha cadeira.
Ali ficou enquanto David me falava do seu trabalho com cavalos numa quinta, e ali se manteve quando ele
saiu para apanhar o autocarro. O seu arrulhar espaçado acompanhou a
continuação da minha leitura.
Ao fim de uma hora, dei-me por vencida. Decididamente, não ia entrar mais ninguém.
- Vá, amigo. Está na hora de ir para casa.
Olha para mim, abana a cabecita e estica o bico para coçar as penas. Só então
reparo que tem o lombo completamente depenado. Não faço ideia por que razão está
assim, mas imagino que o frio que faz lá fora o deva afectar bastante
mais do que aos seus companheiros.
- Pronto, está bem. Só mais um bocadinho.
Retomo a leitura, mas não chego ao fim da página quando oiço o farfalhar de
penas atrás de mim. O Pombo está agora debaixo da minha bota, procurando no
chão alguma migalhinha para o caminho. Não encontrando nada, dirige-se à porta
e sai sem olhar para trás.
É assim, o Bazar da APCA. Fonte de rendimento para alimentar os 200 cães do Canil de S.Pedro. Oportunidade de comprar artigos a preços baixos.
Porto de abrigo.
Volte sempre!
Fotos: Rutix e o Pombo. Sintra. Novembro 2012.
1 comentário:
Que historia doce para inicio de semana.
Já tinha saudades de te ler :-)
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